Em meia hora de entrevista exclusiva para o blog da festa mixtape, Jovem conversou com a gente, via Skype. Ele em Cuiabá, onde deu oficinas e tocou na festa da Semana do Audiovisual. Jovem chega amanhã em Santos, mas antes faz uma parada em São Paulo, para gravar um podcast para a Dada Rádio, do Coletivo Barulho.org. Com tanta coisa interessante, ficou difícil deixar este post mais “enxuto”. Você ainda pode conferir o áudio da entrevista na íntegra, clicando no player no final do post.
mixtape - Bom, Jovem, eu gostaria que você fizesse uma apresentação geral do trabalho de vocês para o pessoal. Nos já escrevemos um post, mas você podia explicar para a gente, com as suas palavras, em que consiste o seu trabalho, uma síntese.
Jovem Palerosi - Às vezes é até meio difícil dar uma síntese geral para um trabalho que começou em um formato, mas que cada vez mais se expande para outras mídias, outras vertentes de realização. O projeto começou como um programa de rádio, muito interligado ao começo da Rádio UFSCar. A gente participou do processo de implantação da Rádio e o programa foi ao ar logo no começo, há 2 anos e meio atrás. Desde então, a gente começou a se envolver mais a fundo com a questão da música contemporânea brasileira, a nova música brasileira, desde a parte estética das novas realizações artísticas, quanto aos novos modos de produção, a maneira de se relacionar, de se produzir e isto foi muito interessante. No começo, a gente ficava pensando, será que vai dar pé?! Será que tem conteúdo para fazer esse programa? Será que daqui a pouco não vai acabar? Mas na verdade, a história se reverteu completamente. Além de ter muito conteúdo, muita coisa acontecendo no país todo, a gente viu que a gente tinha um poder de propositividade muito grande nessa história também. Aí então, a gente começou ser mais ativo neste processo e ser mais orgânico nessa história também. Daí foi um passo, para a gente começar a produzir a festa que acontece mensalmente em São Carlos e junto com a festa começou o trabalho com a Discotecagem Radiofônica, que é uma apresentação só de música contemporânea brasileira. A nossa proposta acaba focando nos últimos 2, 3 anos. É uma produção muito atual mesmo, que está sendo produzido de mais novo na música brasileira mesmo. Fora isso, a gente tem outras atividades. No post foi citado o Massa Coletiva, realmente fez uma diferença muito grande quando a gente se entendeu como um processo coletivo e não só como programa, e passamos a atuar de forma coletiva e muito interligada ao Circuito Fora do Eixo. Somos peça integrante deste circuito que reúne mais de 40 coletivos no Brasil todo.
mixtape - Vocês estão há dois anos e meios no ar e nesse trabalho de pesquisa de vocês, o que você tem observado sobre a relação entre a música e o mercado, na última década?!
Jovem Palerosi - São muitas relações possíveis. Tem uma questão, que pelo menos eu e algumas outras pessoas já têm como dada, já considera quebrada as grandes gravadoras, que estão sem saber o que fazer já faz um bom tempo. Então, ao invés de falar da mídia mainstream, é mais legal pensar a potencialidade da cultura independente hoje em dia e ela está em diversos níveis, desde uma coisa mais amadora, mais caseira, acessível a todos, até no sentido mais profissional, profissionalizante mesmo. Hoje é a grande opção. É isto. Hoje, quase todas as bandas no país são independentes. Não é somente uma bandeira a ser levantada. Durante muito tempo foi uma coisa “você tem que nadar contra a corrente, contra as imposições do mercado” e hoje em dia, é muito difícil e quase ninguém mais quer atrelar o seu trabalho a uma grande corporação que pauta seu trabalho em velhos padrões, por velhos conceitos de mercado, de arte, e outras coisas. Eles, por exemplo, não conseguem enxergar a potencialidade da internet e tentam transportar o modelo das vendas dos CDs para a internet, sendo que há um movimento muito grande de legalizar tudo isso e disponibilizar o seu material. Não só disponibilizar gratuitamente para os ouvintes e fãs, como uma caridade, mas também como uma idéia, uma ideologia da cultura livre, na qual o que você cria, faz parte de um todo, sua obra vai ganhar mais valor, você vai crescer artisticamente a partir do momento em que outras pessoas escutarem e tiverem acesso a esse material, podendo modificar e reproduzir da forma como quiser, tranformando este material. Isto tem muito a ver com o software livre, a cultura livre, creative commons, copy left, que são outra praia, mas que tem muito a ver com o novo mercado, as novas ferramentas digitais. E esse novo contexto que estamos vivendo, de uma produção muito intensa e, de certa forma, muito fragmentada. Com as possibilidades da internet, a gente tem tudo para tornar o processo mais colaborativo, um complementando o outro, e não competindo.
mixtape - Sim, sim. E nesta última década, com o avanço da internet e a música no formato de mp3 deu um gás muito grande neste lance da colaboratividade. Você não precisa estar necessariamente junto com a pessoa produzindo. Você pode estabelecer relações com o pessoal de Cuiabá, Paraná, do Sul do país. Acho que serviu para integrar movimentos espalhados, centros produtivos distantes geograficamente. As novas mídias tem um papel importante, tanto na produção, quanto na distribuição.
Jovem Palerosi - A busca é por criar ferramentas e mecanismos para tornar o processo mais colaborativo possível. Eu dou o exemplo do Circuito Fora do Eixo, são 40 coletivos espalhados por todos os cantos do país mesmo, em todos os estados temos pelo menos 1 representante, um coletivo de ação cultural, interligados, com idéias parecidas, sendo que um princípio básico é você compartilhar a sua tecnologia. O que você desenvolve tanto em termos de ferramentas técnicas, como de ferramentas intelectuais, idéias, é compartilhado. São criados lugares na internet, onde você mostra para outras pessoas como se faz, pensando em um crescimento coletivo, no desenvolvimento e aprimoramento da idéia. Você disponibiliza e alguém, além de se apropriar, vai transformar, adaptar para a realidade local, vai crescer, vai passar para outra pessoa, e a coisa vai somando. É um ciclo bem intenso de resignificações de idéias boas. Puxando para este lado de creative commons, cultura livre, é importante falar o que é isto. Para quem tiver interesse, procurar, principalmente o ccmixter.org, um portal colaborativo na internet, onde vários artistas disponibilizam o seu material para baixar, com as “pistas” separadas. Em termos de música é mais fácil falar assim. Por exemplo, um trio de guitarra, bateria e baixo, você disponibiliza cada parte separada, assim outras pessoas podem recriar em cima disto. Seja um remix, ou aproveitar um pedaço como sampler de outra música, inventar da forma como quiser. A única ressalva é que você tem que citar a fonte originial. Nessa nova regulamentação, que é o copyleft, você pode escolher os usos que as outras pessoas podem fazer da sua obra, se ela é livre para distribuir, para modificar, ou só para baixar e ouvir, se pode ou não ser feito uso comercial dela. Quem escolhe é quem faz o upload, quem disponibiliza. No Brasil, um canal é o Overmixter, canal deste portal ccmixter, deste portal de creative commons para som, dentro do site Overmundo, um dos principais sites colaborativos do país. Existem muitas músicas, inclusive de artistas razoavelmente conhecidos. Já dá para ouvir vários remix que foram feitos com estas músicas. De vez em quando rola alguns concursos, como o da Rádio UFSCar, no Festival Contato do ano passado. A gente disponibilizou várias pistas inteiras de gravações que fazemos na Rádio, para as pessoas reutilizarem da forma como quisesse. Este, realmente, é o caminho da nova música. Ressignificação dos meios que a gente tem e das coisas que a gente produz. Não adianta mais guardar a sua idéia debaixo do travesseiro, na sua cabeça. Você em que amadurecer, concretizar e disponibilizar para outras pessoas criarem em cima.
mixtape - E pelo que você está falando, a questão dos direitos autorais já está ficando para trás. A idéia é colaborar mesmo, abrir sua produção, abrir sua cabeça e trabalhar junto, né?!
Jovem Palerosi - Tem uma reflexão que eu faço. O país está num momento muito propício à coletivização. O que eu ando observando ultimamente é que estão pipocando coletivos no Brasil inteiro, em vários cantos. Coletivos começando a se organizar, que já identificam um coletivo próximo com quem dá para fazer uma parceria, para trocar conhecimento. Aí já se entende como uma rede regional, estadual, nacional. Várias microredes. Eu não sei falar sociologicamente, antropologicamente, mas é uma tendência do momento em que estamos vivendo. Ao mesmo tempo que tem essa coisa muito individual, a internet, o computador, o pernsonal computer, os processos estão se tornando cada vez mais coletivos, pelo que tenho observado e vivido. Tem uma coisa no ar, diferente, de movimentação social. Tenho conversado com amigos, várias pessoas espalhadas por todo canto que também estão maravilhados com essa momento, estão propagando a idéia e tentando tornar seu trabalho e suas atividades interligadas neste processo coletivo. Mais vai contaminando, mais vai se transformando, é uma realidade social que está acontecendo legal. Inclusive, estamos estabelecendo contato com um pessoal da Argentina e outros lugares da América Latina e eles ficam encantados com o que está acontecendo aqui, porque lá ainda está muito distante disto, apesar de eles serem extremamente politizados, terem uma consciência social super avançada, eles ficam impressionados com essa movimentação social que tem acontecido no aspecto da cultura. A gente é a regional do Estado de São Paulo, a forma como a gente se estruturou e encarou o processo, em pouco mais de um ano, a gente é uma referência na região. Cada parte do país tem uma regional, e nós, aqui no sudeste, temos duas, uma em Minas Gerais, com o coletivo Goma e outra em São Paulo, o Massa Coletiva. E a nossa missão é auxiliar na formação de outros coletivos, de ajudar nesse processo, um pouco como uma consultoria, mas muito mais que isso. Na verdade, chamar mais gente para trabalhar junto e fazer mais coisas na mesma direção.
mixtape - Sim, compartilhar tecnologias e tudo mais. A impressão que eu tenho é que a colaboratividade se dá além da relação dos coletivos entre si, que a participação do público é super importante.
Jovem Palerosi - A participação do público sempre é importante, o feedback, não só para os artistas, mas como do processo, o público é muito importante, mas não como público passivo, mais a idéia de misturar as coisas, o público ser mais ativo nas idéias, no entendimento desse processo também. É difícil conciliar um evento com consciência política, mas que seja então, inconsciente, que esteja em algum canto da cabeça a idéia de as coisas estão se transformando, que as artes e os processos políticos estão sendo transformados. O público não precisa pensar nisto enquanto está dançando, mas de certa forma interligue uma coisa com a outra.
mixtape - E quais sãos os planos de vocês daqui para frente, tanto do Independência ou Marte como do Massa Coletiva?
São muitos planos. Este final de ano está bem legal. A gente conseguiu conciliar bastante o lance das oficinas que a gente tem realizado, estivemos em vários festivais no país todos, estamos circulando por vários coletivos em vários cantos, colocando a Dicotecagem para rolar forte. E agora no final do ano, nós fomos contemplados como Ponto de Cultura, pelo edital dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo, então temos um trabalho gigantesco pela frente, ainda estamos nos organizando para ver como vai ser, o foco são as regiões periféricas de São Carlos. Além deste trabalho, vamos continuar alimentando a rede nacional, fazer as atividades acontecerem, e para isso já existem alguns mecanismos criados pelo próprio Circuito, como é o caso do Grito Rock, que acontece durante o carnaval. É um festival integrado, que acontece no país todo. E tem também o Festival Fora do Eixo, que vai acontecer em abril e que deve invadir o estado de São Paulo, com bandas do país todo circulando, realizando uma coisa muito interessante. Vai ser a segunda edição do Festival Fora do Eixo, mas em um contexto em que o Circuito está bem maior e mais estruturado, com muito mais ações para desenvolver e cidades para percorrer. Tem um boom. Quanto aos anseios pessoais, eu, particularmente, estou querendo desenvolver e registrar uns trabalhos de criação musical que eu tenho feito. Tenho isso como meta pessoal, mas que eu quero coletivizar também. Como eu já falei, não só guardar em baixo do travesseiro, mas tornar o processo criativo mais participativo
mixtape - Ah! Bom saber! Temos muito trabalho pela frente! E qual é a sua expectativa de tocar em Santos?!
Jovem Palerosi - Por incrível que pareça, eu nunca fui para Santos, nem para curtir, nem para conhecer, mas já ouvi falar bastante. Foi criada um expectativa, pelo que você tem falado e por você sempre ter pilhado essa história “precisamos fazer, precisamos fazer, e agora vai dar, e agora deu certo”, criou uma expectativa legal. Eu não consigo imaginar, não conheço muita gente e nem o perfil das pessoas, mas espero que vocês estejam com as mentes abertas para dialogar seus corações e seus corpos com a Discotecagem Radiofônica, que é um projeto bem experimental e com bastante música nova. O hit não é o nosso diferencial, o nosso diferencial é música boa, nova, contemporânea, astral positivo, mensagens boas, clima de celebração. E se preparem, pois eu vou chegar munido de muitos efeitos e processamentos digitais. A gente gosta de lidar com isso na produção do set. O lance é sentir, mais do que qualquer outra coisa.
mixtape - Sim, sentir sempre. E tem como você dar uma palhinha?! Algumas bandas que se destacaram?! Uma dica...
Jovem Palerosi - Nosso set nunca é fechado, mas sons que sempre rolam e que têm muito a ver com o projeto é o Mamelo Sound System, o Caio Bosco, que é daí do Guarujá, e que tem uma relação com o projeto bem legal. A gente costuma rolar bastante as músicas que a gente gravou lá na Rádio UFSCar, então são algumas versões diferentes para algumas músicas conhecidas, a gente puxa para o lado instrumentais, mais para o regional contemporâneo, tem muita coisa diferente. Eletrogroove, Projeto Nave, Isso tudo rola! E algumas outras invenções que vão rolar na hora, umas mixagens do momento. Vamos ver o que acontece. Não tem muita regra a princípio, tem só o que faz parte da gente, do nosso DNA, da nossa história, que a gente tenta reproduzir na pista. B-Negão e Seletores de Freqüência, Turbo Trio, esses sons que realmente fizeram a diferença na última década e que a gente já traz naturalmente, pela qualidade do som, na nossa propagação de astral com a Discotecagem. Identificação artística com esses sons.
mixtape - Bacana. O Projeto Nave tocou aqui no SESC há uns dois meses, o B-Negão esteve na Futuráfrica e o próprio Caio Bosco também. Boa parte desse som já é conhecida da galera e o que não é, fica sendo. O bom é sempre ampliar nossas referências musicais. Mas acho que é isso. Já deu para apresentar melhor vocês para o público. Vocês são em dois, mas desta vez, você vem sozinho...
Jovem Palerosi - Eu vou sozinho, mas fica a responsabilidade de valer por dois. A gente tem outras dinâmicas quando estamos em dupla, sozinho as quatro mãos têm que partir de mim. Vamos ver o que acontece. Eu vou munido do meu fiel escudeiro SP404, um sampler que a gente utiliza, então ganho novas parcerias sempre que estou acompanhado com ele.
mixtape - Estamos esperando você aqui, dando os nossos corres aqui, enquanto você dá os seus aí. E a gente se vê e dança muito no sábado, no dia 19/12, na primeira edição da festa mixtape.
Jovem Palerosi - Parabéns vocês pelo corre todo, pelo trampo de pré-produção que tá bonito mesmo. Difícil de ver gente tão motivada, tão focada na realização de um evento. Parabéns por todos os mecanismos que vocês estão criando, as iniciativas, ainda mais sendo primeira edição. A dica é não desanimar por nada, o feedback já está sendo bom e a idéia é ir construindo. Isso é um trabalho de construção, de formiga, que vai rolando, já está rolando.
Valeu Jovem, valeu pela entrevista
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